sexta-feira, 21 de dezembro de 2012


Um ruído desperta todo o meu ser e vasculho pela sua fonte. Uma nova sensação dilacera-me o peito e procuro, a todo o custo, percebe-la. Encontrá-la.
O medo dança à minha volta, rodopia, faz de mim o seu centro. Grita-me em voz estridente, em mensagens trazidas pelo vento. É apenas o nada a bater à porta, a entrar de mansinho, sem aviso prévio. É apenas o nada a apoderar-se do meu sorriso e a caminhar ao meu lado, de braço dado. É só o nada a encher-me o peito de vazio, a rir-se de mim enquanto caio. É só um silêncio que grita tão alto que preciso de tapar os ouvidos com toda a força que me resta. A força que restou da visita da solidão.
Lembro-me de quando vivia convencida de que todo o meu mundo era uma certeza e agora, perante tal ideia, vejo a ignorância que me constituía. As certezas, aquelas que nos parecem tão reais, tornam-se em ilusões, fazendo ruir os últimos pedaços do nosso céu. Despedaçando-o por completo. Haverá mágoa maior do que uma certeza afinal utópica? Haverá dor maior do que uma certeza substituída por uma inexistência de pensamentos? Não, não há. Nem irracionalidade de uma incerteza.
E perdida no meu próprio choro, sorrio simplesmente. Não porque esteja feliz. Mas porque me apercebi de que os sorrisos têm uma imensidão de funções, nomeadamente para tapar buracos que aparecem quando o mar das palavras se transforma em deserto. Servem de falsa plenitude, acalmando o âmago daqueles que fingem importar-se, pois no fim, acabaremos todos entregues apenas a nós mesmos.
De todas as hipócritas certezas só me restou uma, e essa certeza és tu.
A solidão encontrou-me, mas eu também te encontrarei.

sábado, 24 de novembro de 2012



Ouço o comboio ao longe, pego na minha velha e reduzida mala de viagem e aguardo impacientemente pelo transporte que me levará à minha nova vida, aquela que ainda não programei.
Não sei do que fujo. Não sei se fujo de ti, ou do desejo incontrolável de te ter. Não sei se fujo dos teus olhos cor de mar, ou da vontade de mergulhar neles. Não sei se fujo, ou se simplesmente me afasto. Não sei se o faço por um motivo egoísta, ou se para te libertar de insanidade e turbulência que me constitui e forma.
Não quero prender-me, mas, acima de tudo, não quero prender-te. Seria cruel deixar que permanecesses aqui, não podendo dar-te qualquer certeza de que amanhã o rumo seria o mesmo. Também estaria a enganar-me a mim mesma, se te garantisse de que podes controlar a minha alma livre. Mas a verdade é que, por mais que me tente iludir e convencer do contrário, também não quero libertar-te. Não quero que vás embora, não quero que te esqueças de mim. Preciso de ti. Preciso do teu toque de uma forma insaciável, preciso da tua presença de um jeito que me consome. Dependo de ti, vivo para ti. O teu rosto apoderou-se do meu âmago, e a noção de que poderei ficar enjaulada no teu coração, aterroriza-me. A noção de que poderei, inconscientemente, acorrentar-me ao teu jeito, pondo em risco o meu contrato de não deixar que me cortem as asas, atormenta-me. Com a consciente noção de que, abrindo o meu coração, talvez este seja arrancado, espezinhado, quebrado mais uma vez. Talvez tudo isto não passe de uma obra pintada por uma mente sonhadora, esperançada, traiçoeira. Uma mente que pintou um mundo perfeito para alguém tão imperfeito. A minha mente. A minha triste mente.
Entro no comboio que chega mesmo a tempo de me varrer os pensamentos. Não hesito. Não fracasso. Sento-me do lado da janela, despedindo-me do lugar que mudara a minha vida.
Fecho os olhos, respiro fundo, arranjo coragem para permanecer sentada, enquanto o sangue me fervilha nas veias, exigindo retorno.
Porém, por detrás daquelas velhas e poeirentas cortinas verdes que cobrem a janela, vislumbro um rosto familiar. Peculiar. Único. Marcante. Tão meu conhecido. Vejo uma súplica no silêncio dos seus traços. Uma última e fugaz esperança.
Corro para a porta de saída do comboio na ânsia desvairada de saber se é real, e alcançando-te, abraço todo o meu mundo. Beijo-te com todo o meu coração.
Talvez sejas tu a estabilidade de que tanto preciso, talvez não. Mas, pela primeira vez, estou disposta a correr o risco. Sem medo. Sem hesitação. Contigo. Só contigo.

quinta-feira, 5 de julho de 2012




Sempre me questionei sobre que me pensamentos invadem a mente daqueles que decidem pôr fim à vida.
O pensamento não surgiu apenas uma ou duas vezes ao longo da minha existência, surgiu sim, em cada doloroso segundo que me obrigaram a viver. No íntimo do meu ser, não podia esconder a ideia de que se trata de um ato de cobardia, mas, agora, no cimo do arranha céus mais alto de Nova Iorque, apercebo-me de que se trata de coragem. Coragem pura. Coragem de avançar com uma ideia que nos atormenta. De procura. Uma procura intensa da liberdade que tanto precisamos e que ninguém é capaz de nos dar. De luta. Uma luta constante por alguém que se aperceba de algo tão simples como a própria existência. De fome. Uma fome insaciável por alguém que ouça os gritos que o nosso coração dá.
Nunca pensei no momento em si, no momento em que me soltaria de toda a dor, mas agora, que sinto o travo da liberdade tão perto, nunca nada me pareceu tão certo. Eu sei que é o melhor a fazer. Eu sei que a minha existência não tem qualquer propósito. Eu sei que fui um erro. Talvez um ensaio para alguém. Alguém algo que mereça algo tão complexo que é a vida. Eu sei que ninguém sentirá verdadeiramente a minha falta. Talvez porque nunca ninguém reparou verdadeiramente em mim.
Por que o farei? Porque, certamente, doirá menos que tudo o resto.
Aproximo-me mais da berma, e, então, vejo-te. Vejo-te a ti, num rosto irado em contraste com os teus olhos inócuos cor de mar. Em 16 anos, foste a única coisa que me manteve aqui. Que me prendeu. Que me deu alguma esperança de me encontrar. Mas também tu deixaste de me ver, e a ínfima esperança existente desvaneceu-se, assim como a tua compaixão por mim. Chamei-te tantas vezes e nem para trás olhaste. Sofri em silêncio, e nem uma lágrima me limpaste. Apesar de tudo, não te culpo pelo céu que não conseguiste colorir. Tentaste. Mas este sempre fora cinzento por natureza. Apesar de tudo, obrigada por teres sido a minha única confidente, mesmo que por tempo limitado. Mesmo que fosse essa a tua função de mãe. Desculpa que a má sorte te tenha obrigado a ficar com alguém tão pernicioso como eu. Alguém que causa dano num simples respirar. Que é o dano em si.
E agora, dando um passo em frente, caminho rumo ao desconhecido, esticando os braços no percurso, e, inspirando uma golfada de ar puro, o vazio da minha alma preenche-se.
E agora, finalmente, sinto que pertenço. E agora, sinto-me em casa.

quarta-feira, 4 de julho de 2012




Um raio de sol atingiu-me o rosto e tentei, em vão, ignorar a chegada de um novo dia.
Num simples erguer, a dor no peito chegou, juntamente com o peso na alma. Aquele peso que me comanda e sussurra. Aquele vazio no âmago, aquele cheiro a fracasso.
Não queria enfrentar mais um amanhecer. Não queria, em tão tenra idade, ter de lutar pela minha própria sobrevivência, já que ninguém o fazia por mim. Não queria temer uma simples brisa, quando o meu respirar parecia já tão assustador. Mas, apesar dos meus esforços para que o dia se voltasse a pôr, um raio de sol mais forte manifestou-se, e soube que nada mudara.
E então, apercebi-me de que teria, mais um dia como em tantos outros, enfrentar a batalha mais dolorosa da minha existência – ir para a escola. Sim, aquele lugar que deveria ser o meu porto de abrigo, aquele lugar que me deveria enriquecer, esmagava-me até não restar mais nada.
“Porquê eu?”, era a pergunta que mais se soltava da minha boca, e para a qual nunca encontrei resposta. Nunca entendi o porquê de tais olhos irados só me verem a mim.  A mim, apenas mais um ser no meio de centenas. Eu era, inquestionavelmente, diferente dos demais, talvez mais frágil. Eu era, sem sombra de dúvida, a presa mais fácil de apanhar num simples recreio de escola – o pior campo de batalha que alguma vez enfrentarei. E, apesar de tantos anos, apesar de tantas mudanças em mim, nunca entendi o que os atraía em mim, como um íman.
Podia fugir, mas não me podia esconder, e era esta derradeira verdade que me fazia, agora, seguir a rotina habitual. Inerte no chão, mais um dia, o meu corpo de rapaz de apenas 16 anos fervia. Acho que, ao longo dos tempos, me tornei imune à dor física, e, portanto, cada soco que aquele rufia projetava atingia-me diretamente na alma, até porque fisicamente já pouco restava.
Porém, pela primeria vez, vi a minha marca, aquela que me diferenciava dos demais e que tanto os incomodava. Era o meu coração. O meu coração puro, mesmo que por vezes desnorteado, que apesar de carregar o peso do mundo, mantinha na íntegra quem o destino traçara que fosse. Era o meu cheiro. O meu cheiro a inocência e a ingenuidade. Era o meu medo. O meu medo de falhar que tanto os aliciava. Era a minha sede. A minha sede de viver, aquele erguer diário, mesmo que com a sina traçada.
“Bullying”, a palavra que muitos ouvem, mas que poucos de facto conhecem.
“Bullying”, uma dor na alma que nos faz questionar a nossa própria existência.
“Bullying”, um coração que se parte.
“Bullying”, uma alma que se perde.
Queria soltar-me, mas eles são três vezes maiores. Queria fazer-lhes frente, mas apenas tenho forças para continuar a respirar. Queria voar livremente, mas para onde quer que fosse, encontrariam o meu ninho.
Quero vingar-me, mas o medo atormenta-me. Quero denunciar-vos, mas toda a dor tem limites. Quero gritar, mas não encontro a minha própria voz.
E, sozinho, aguardo pelo dia em que tudo pare. Aguardo por algo que o faça parar. Alguém.
E, agora, fecho os olhos, aguardando por mais um dia. Pelo dia. O dia em que tudo mude.

terça-feira, 3 de julho de 2012

                                                                                                                       
                                                                     22 de Maio de 2012

 Mana,
 Demorei muito tempo até me decidir se deveria ou não avançar com esta ideia insana de te escrever esta carta, uma vez que nunca a poderás ler. É macabro. Mórbido. Doentio até. Mas preciso de me despedir de uma vez por todas, deixar-te ir. Preciso de expulsar todos os pesadelos que me atormentam diariamente, noite após noite. Cada vez que fecho os olhos vejo o teu rosto ofegante, já quase sem vida, com olhos suplicantes por ajuda. Já quase sem cor. E eu nada fiz. Nao mexi um músculo para te tirar da água que arrastava a tua vida. Não corri ao teu encontro, nao lutei contra a corrente. Apenas gritei, sem dar por isso. Gritei o teu nome numa voz estridente que nao conhecia. E quando deixei de ver o te corpo tão pequenino a ser arrastado pelas ondas fortes, os meus joelhos embateram ruidosamente na rocha molhada pela água que te arrancou a vida.
A multidão juntou-se. A tua alma partiu. Os corações quebraram-se. A saudade instalou-se. Os pesadelos atormentaram. Pesadelos em que apareces sob a forma de náufrago: sozinha como te deixei, à deriva como tu me deixaste. Tudo isto por culpa minha, que não tentei salvar-te. Culpa minha, que te convenci a ir até à praia. Por culpa minha que não saltei para perecer contigo, tal como merecias. Tal como eu merecia.
Mas princesa, não te esqueço. Não te esqueço nunca, porque me corres nas veias. Não esqueço a melodia do teu suspirar ou riso doce. Não te esqueço porque sinto as batidas do teu coração ao de leve, trazidas pela brisa. Não te esqueço porque te vejo lá fora, a abraçar a tempestade, porque vejo o brilho dos teus olhos na lua, a olhar por nós. Porque te ouço trautear uma canção de embalar aos pássaros, adormecer com eles. Porque me tiras o sono, e porque a minha alma pertence agora à tua ausência.
Um dia, encontrar-te-ei para te pedir perdão.Um dia, voltarei a enrolar o meu dedo nos teus cabelos para te prender a mim, para sempre. Um dia, quando a culpa parar de me atormentar, voltarei a sorrir, porque a tua alma voltou. Um dia, sorriremos juntas de novo.
Por agora, vislumbro as estrelas e no seu brilho vejo o ser: sempre belo, sempre presente, até à eternidade.
Até um dia. Até ao dia,

                                                                                                                                               Rosie