Sempre me questionei sobre que me pensamentos invadem a
mente daqueles que decidem pôr fim à vida.
O pensamento não surgiu apenas uma ou duas vezes ao longo da
minha existência, surgiu sim, em cada doloroso segundo que me obrigaram a
viver. No íntimo do meu ser, não podia esconder a ideia de que se trata de um
ato de cobardia, mas, agora, no cimo do arranha céus mais alto de Nova Iorque,
apercebo-me de que se trata de coragem. Coragem pura. Coragem de avançar com
uma ideia que nos atormenta. De procura. Uma procura intensa da liberdade que
tanto precisamos e que ninguém é capaz de nos dar. De luta. Uma luta constante
por alguém que se aperceba de algo tão simples como a própria existência. De
fome. Uma fome insaciável por alguém que ouça os gritos que o nosso coração dá.
Nunca pensei no momento em si, no momento em que me soltaria
de toda a dor, mas agora, que sinto o travo da liberdade tão perto, nunca nada
me pareceu tão certo. Eu sei que é o melhor a fazer. Eu sei que a minha
existência não tem qualquer propósito. Eu sei que fui um erro. Talvez um ensaio
para alguém. Alguém algo que mereça algo tão complexo que é a vida. Eu sei que
ninguém sentirá verdadeiramente a minha falta. Talvez porque nunca ninguém
reparou verdadeiramente em mim.
Por que o farei? Porque, certamente, doirá menos que tudo o
resto.
Aproximo-me mais da berma, e, então, vejo-te. Vejo-te a ti,
num rosto irado em contraste com os teus olhos inócuos cor de mar. Em 16 anos,
foste a única coisa que me manteve aqui. Que me prendeu. Que me deu alguma
esperança de me encontrar. Mas também tu deixaste de me ver, e a ínfima
esperança existente desvaneceu-se, assim como a tua compaixão por mim.
Chamei-te tantas vezes e nem para trás olhaste. Sofri em silêncio, e nem uma
lágrima me limpaste. Apesar de tudo, não te culpo pelo céu que não conseguiste
colorir. Tentaste. Mas este sempre fora cinzento por natureza. Apesar de tudo,
obrigada por teres sido a minha única confidente, mesmo que por tempo limitado.
Mesmo que fosse essa a tua função de mãe. Desculpa que a má sorte te tenha
obrigado a ficar com alguém tão pernicioso como eu. Alguém que causa dano num
simples respirar. Que é o dano em si.
E agora, dando um passo em frente, caminho rumo ao desconhecido,
esticando os braços no percurso, e, inspirando uma golfada de ar puro, o vazio
da minha alma preenche-se.
E agora, finalmente, sinto que pertenço. E agora, sinto-me
em casa.