quinta-feira, 31 de janeiro de 2013


Quero sucumbir o meu corpo à verdade e guiá-lo para o que me faz bem. Despertá-lo de vez. É sádico amar-te. É sádica a necessidade de te ter em mim, de corpo e mente. É masoquista não resistir à insanidade do meu centro. Doentio. Amo-te, mas amar-te corrói-me. Quero libertar-me desse amor que me condena.
Odeio cada pedaço da tua falta de vida, bem como cada atitude e pensamento teu. Odeio o teu respirar, e a tua presença repulsa-me tanto quanto atrai. E é esse ódio que me faz amar-te, é esse ódio que me impede de te largar. O ódio que me leva a amar e me impede de voar sem ti. É o ódio que me impede de desistir de nós. É o ódio que nos liga. Amar-te-ei ou quererei amar-te? Não és o melhor de mim, não és o que de melhor tenho, alcancei ou vivi. Não te sacrificas por mim. Não mudas por nós. Não és perfeito, nem à minha medida, tão simples e fácil de alcançar. Repugna-me a forma como a tua personalidade se moldou, tornando-te em alguém que me passaria ao lado, alguém que agora não reconheço e com o qual não me quereria relacionar. Alguém transparente. Não gosto do que és, mas do que aparentas ser. Então o que faço eu junto do teu ser frio e mudado? Fico por ti. Que necessidade é esta de ti? O que resta de ti para amar que ainda não descobri, mas que o teu corpo já cativou no meu? Vivo para ti. Prescindo da felicidade pura para seguir o coração. Por ti. Encontrá-la-ia seguindo o que de mais perfeito me permito ver? O coração chama-me, queima-me, enquanto a razão se opõe – louca, furiosa, vagabunda. A razão morre, a dor fica, a felicidade chora. E eu aqui permaneço. Entregue à quimera de que és tu que me moves, enquanto paras cada segundo do tempo que me consomes. Amo-te tanto quanto odeio. É isto amar?

Mergulho. Lavo a alma com a água salgada que me enrola os cabelos ondulados. Flutuo. Por quanto tempo? Sei que é essa a pergunta que se solta dos vossos lábios em voz muda, que vos sai da alma sob a forma de pequenas gotas que vos deslizam ao longo da face. Sei que é essa a pergunta que penetra no vosso corpo em cada grito estridente que projeto – quando a minha voz se silenciará? Sei que é essa a dúvida que vos atormenta quando os raios de sol do meu sorriso ofuscam cada espaço vazio que vos preenche – quando deixará o sol de brilhar? Sei, porque ainda aqui estou. Consigo ouvir-vos, em voz deturpada. É isto que ouço, quando ouço: o vosso coração a querer saltar do peito, exasperado por respostas. Consigo ver-vos, em imagens cor de pastel. É isto que vejo, quando vejo: as memórias do que vivi e do que deixarei para trás. Em tons de sépia. Consigo cheirar, numa mescla de mil direções. É isto que cheiro, quando cheiro: a maresia deste lugar só meu. É para aqui que vou, quando vou. Para um mundo que quatro paredes infinitas, finas o suficiente para vos sentir, mas grossas demais para vos permitir entrar. Para me impedir de sair. E é nesta mistura de sentidos que vivo, enquanto vivo. Entregue à liberdade com prazo de validade. Entregue à possibilidade de a qualquer momento o meu coração parar de bater e passar a ser apenas uma memória distante, apenas mais uma estrela no céu. Acorda, que a vida não para, e eu ainda aqui estou. Permite-me viver e vive comigo.
Caminho. Caminho para a luz que me chama e dilacera os olhos. A luz que me guia para o fim do que nunca começou. Era para aqui que fugia, enquanto podia.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013



Perco-me na escuridão que mancha o ar e deixo que esta me tinja a mente. Paro. Observo. Escuto. Mico cada um dos vossos traços ocupados, ausentes. Decoro cada um dos vossos rostos carregados, atormentados. Deixo-me invadir pelas vossas palavras programadas, emoções disfarçadas, encriptadas. Sentimentos tão reais, perdidos na irrealidade do medo da espontaneidade. Reconheço a sombra que tanto tentam fintar e que vos persegue, passo a passo. A escuridão que todos escondem, mas que tanto vos consome. A escuridão que tanto receiam nas que rapidamente vos encontra, vos toma como sua. É o medo, só o medo. Um medo pernicioso. O medo de vocês próprios. O pior dos medos. O medo de falhar perante a vossa própria expetativa. O medo de errar perante a vossa própria razão. O medo de fracassar perante as vossas próprias batalhas. O medo de se trairem a vocês mesmos. Vivem atormentados pela nostalgia de memórias passadas, pelas quais davam a vida para reaver. Vivem o presente com o coração no passado. Vivem aterrorizados pela criatividade que um novo dia oferece. O horros face à turbulência de emoções impede-vos de viver. Não vivem, sobrevivem. Carregados de vazio. Sobrevivem refugiados na melancolia do que outrora foram ou do que receiam nunca vir a ser. Sobrevivem refugiados na esperança de que esse céu cinzento assuma cores de um tom azul vivo, não percebendo que cada lápis de cor se encontra na mão de quem o quiser colorir. Deixamos de procurar monstros debaixo da cama quando nos apercebemos de que estão dentro de nós.
Fecho os olhos. Respiro fundo. Caminho. Não sou diferente de nenhum de vocês, mas eu já descobri o meu monstro.

Muda. Muda se aquilo que és te dilacera por dentro, te destrói, te magoa. Muda para te agradares a ti mesma, o teu pior juiz. Muda se toda a tua felicidade exterior for uma quimera, uma utopia de plenitude e vida. Muda se precisas de um motivo para permanecer aqui. Muda se quem és te faz querer desaparecer. Finge. Finge que acreditas que não há nada de errado dentro de ti, mesmo quando um vazio enorme te preenche o peito de amargura. Desdém de ti. Finge que adoras o mundo que te rodeia. Finge que és genuína contigo, mesmo em batalha contra ti. Esconde. Esconde cada lágrima que te nasce no olho. Esconde cada sinal de que és humana e fraca. Esconde o que sentes, se sentir não basta. Se o sentimento que conduz ao fundo do abismo, dentro de ti mesma. Se cada respirar teu te causa repulsa. Enfrenta. Enfrenta a turbulência de emoções que te constitui, todos os pensamentos mórbidos. Enfrenta o que não és, ou o que desejavas não ser. Enfrenta o que desperta todo o pedaço de nada que te constitui. A insignificância de ser humano que és.
E se porventura te odeias, mudasses. Se porventura o peso do mundo te assentou nos ombros, fingisses. Se porventura alguém penetrou na escuridão da tua mente, escondesses. Se porventura te espezinharam, enfrentasses.
Neve. Não sou mais do que neve. Desfeita a qualquer momento.